domingo, 19 de abril de 2015

Espera

‘’Somos feitos da mesma matéria que os sonhos.’’
 

Um acordar prematuro. Uma travessia de cidade a pé acelerado. Um cruzamento com dez mil atletas correndo, desenfreadamente. Um metro, um comboio, um eléctrico e um autocarro depois. Trinta e cinco minutos de caminho duvidoso a mais. Uma paragem num descampado no meio do nada. Uma caminhada silenciosa para um aeroporto no meio de nenhures.
Um par de horas a aguardar, inactividade total de tráfico aéreo. Num verde imenso, num minúsculo aeródromo com mais pássaros que máquinas voadoras.
Pessoas tão fisicamente diferentes, quanto as nacionalidades. Uma língua invariável. Uma espera, uma fila. Dissertação.
Descontraidamente sentada. Aproveitando o balanço coerente e regular da viagem. O que acontece quando estamos demasiado confortáveis no percurso que traçamos? Aquele que damos como certo? Estamos bem, a vida desliza aos nossos olhos. Neste instante. Neste mesmo instante. Estaremos nós exactamente no sítio onde é suposto estarmos? Esse apreciar da paisagem. Não nos afasta ou desvia o olhar da outra viagem que deveríamos estar a realizar, neste momento? Serão só comodidades? Falsos positivos. Falsos felizes.
Porque ficamos tão ansiosos com a mudança? Porque nos é ela tão intrinsecamente anormal. Tememos o desconhecido. Faz-nos confusão o estranho, o que ainda há de vir. O que são então os sonhos e de onde vêm? Estão presos ao aqui e agora? Ou completamente distintos? Vivem sozinhos? Ânsias, desejos ocultos, vontades escondidas. Como um papagaio de papel de tonalidades garridas. Bem longe, com um fio bem comprido. Preso a nós por uma ligação bem fininha. Puxamos. Com jeito. Bem lentamente. Para que uma rajada de vento não nos faça largar mão. À medida que enrolamos a corda, vão ficando cada vez mais claros. Menos distantes, menos difusos. Menos ilusão, menos desilusão. Coloridas eventualidades de sonhos bonitos.
Nem todos os dias se conseguem pôr estrelas de papel de seda a voar. Espera-se a melhor hora, o melhor momento, a ausência de chuva. Com vento certo e sol quente, as inquietações passam a certezas, as possibilidades passam a infinitas. Basta aguardar o tempo perfeito.
 
(Café Contexto 16/52)

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