domingo, 20 de setembro de 2015

Rio

Quando eu morrer, sei exactamente para onde quero voltar.
 
O rio.
Saudades do cheiro a terra, e do som da água corrente.
Há um pequeno gorgolejar delicioso, audível se permanecermos em silêncio. Pedras cobertas de limos, com sapos e girinos. Peixes de várias cores e tamanhos. Canas, que vergam e assobiam com o vento. Uma brisa quente vinda do leste, anuncia que vai chover.
As árvores altas e antigas perdem as folhas, uma a uma, delicadamente. Tocam a superfície da água, seguem na corrente. Um espelho de núvens interminável, repete o céu. Uma ave passa.
 
Está próximo. Vejo já Caronte. Contas acertadas já, só me resta mesmo adormecer e não mais acordar.

(Café Contexto 38/52)

Paisagem Natural/O dono do rio
Fotografia de JPedro Martins

domingo, 13 de setembro de 2015

Benvenute

Chegamos a uma casa cheia de gente. Num caos controlado onde tudo se multiplica por 8. Há um cão a lamber-nos as pernas à entrada, que nos diz olá, e nos convida para entrar. Passando as bicicletas, dois lanços de escadas cheios de tralha com abóboras e cebolas, trelas, sapatos e sacos por todo o lado. Há fotografias de família, de férias, de animais e de momentos. Uma montanha de sapatos deixados por todo o lado. Uma colecção de escovas de dentes e outra de toalhas, e uma panóplia de embalagens de tudo, no quarto de banho. Há partituras por todo o lado, e uma ou duas guitarras encostadas a qualquer coisa. Pertences pessoais deixados em qualquer parte. E há livros. Muitos livros. De tudo o que se queira encontrar.
Atrás de uma porta, uma mãe preocupada que gere a casa a partir da cozinha. Há compota ao lume e o perfume é doce. Uma mesa colorida com cadeiras todas diferentes. Armários carregados de objectos bonitos e memórias. Imagens nas paredes com partes do mundo diferentes.
Há recheio para massa fresca na panela, quase pronto.
Arruma-se a mesa. Polvilha-se a farinha, faz-se uma linha de montagem.
Prendadas com um delicioso tortello, tomates de Veneza, parmegiano e prosciutto de Parma, lambrusco tinto do avô, pêssegos que alguém deu, e limoncello feito em casa.
Há um miúdo a fazer asneiras e um pai a repreendê-lo, um rapaz ansioso por saber se entra numa peça de teatro, um jogador de râguebi com um ombro deslocado, uma menina cansada do treino de voleibol e um italiano muito português a contar estórias do teu país.
Conversas em línguas diferentes, partilha e sorrisos.

(Café Contexto 37/52)