domingo, 21 de junho de 2015

Yoga

Inspira. Profundamente. Agora expira. Sente que esvaziaste todo o ar dos teus pulmões. Inspira e expira outra vez. Sentes a calma?
Algo muda quando fazemos yoga pela primeira vez. No corpo e na alma. O corpo estica, a alma torna-se flexível.
É só um corpo, mas é só este que tens. É teu dever cuidar dele. Da melhor forma possível. Ele é o espaço onde a tua alma habita. O espaço onde o teu verdadeiro Eu encontra forma de se expressar e relaccionar com o meio externo.
Há posturas, uma imensidão de esticadelas e torções, que não nos sabíamos capazes e que, pouco a pouco, se tornam vitórias. Ossos, músculos e tendões a trabalharem como um todo. O corpo cede, a pressão dispersa, a ligação corpo-mente estreita-se.
Desliga-se a cabeça. Medita-se. Pensamentos como electricidade. Existem e estão lá, não se vêem, mas sentem-se; domados são úteis, selvagens podem causar mossa. À semelhança de uma qualquer tomada eléctrica, treina-se a capacidade de controlar amplitude e força da corrente. Dar espaço para novas ideias. Dar asas à imaginação. Desligar a ficha. Simples.
Humildade. Maleabilização do ser, e o adquirir de traços de personalidade para a vida.
A relação com o corpo ameniza-se, compreende-se o outro, tratado como igual. Tudo acontece por um motivo, espiritualidade não é religião e a morte é só uma passagem. Paz com o mesmo, com os outros e com o mundo. Não violência. Aceitar tudo como realmente é. Tudo está como devia estar.
Yoga para trabalhar todo o corpo e domesticar a mente. A plenitude como estádio. Aqui e agora. Sempre.
Essa calma é tua. Apodera-te dela.
 
(Café Contexto 25/52)
 
Fotografia de JPedro Martins

domingo, 14 de junho de 2015

Núvens

Podia escrever mil e uma coisas sobre núvens. Núvens mesmo. Algodão. Aglomerado de gotas diminutas, cristais de gelo em suspensão no ar. Acumulações de pó e de possibilidades. Uma multidão de formas, um exército flutuante imenso.
As incertezas que trazia na sua cabeça, e a cabeça que trazia sempre nas núvens. Um nevoeiro denso, sempre presente na sua vida. Cirros, nímbus, de todos os feitios. Sempre formaram um problema. Azares constantes, desilusões, desamores sucessivos. Uma bruma imutável que o impedia de prever e seguir para o futuro.
Passava os dias nuveando para cá e para lá. As decisões importantes sempre adiadas, e as dúvidas, tão presentes, escureciam-lhe o semblante, por vezes. Um dia fechá-las-ia, bem fechadas, bem longe. A cabeça colocaria os pés na terra e o seu coração encher-se-ia de leveza.
(Café Contexto 24/52)

domingo, 7 de junho de 2015

Tranças

Tranças. Toda a nossa vida se esboça no entrançado do teu cabelo.
Passas-lhe os dedos uma, e outra vez. Começando sempre pelas pontas, subindo bem devagar, até ao cocuruto quente.
Teces. Usa-as de todas as formas. Uma atrás, duas presas acima da cabeça, parte presas, parte soltas, apenas um apontamento ou com mechas fugitivas.
Gosto particularmente quando as fazes corridas, uma para cada lado, emoldurando-te o rosto belo.
Até eu já as sei fazer. A de fora, sempre para o meio, uma e outra vez.
Sei que não estás bem quando acordo, e não as vejo já em ti, impecavelmente feitas, o cabelo já domado. Algo te incomoda, ou apoquenta, se não as usas. Se o usas com um rabo-de-cavalo, é porque tens já a cabeça demasiado cheia, demasiado pesada para ostentações.
Desfaço-as, quando me deixas, e esqueço-me sempre como o teu cabelo é bonito. Sempre mais comprido do que aquilo que me recordo. Alvo, ondulado, com um perfume tão próprio. Roubo-to da covinha atrás do pescoço, enquanto dormes, enquanto sonhas.
Um dia, hás-de sentar as nossas filhas em teu colo e aprisionares-lhes os medos, como fazes com os teus. Controlando as inseguranças tuas, em gestos automáticos. Mãos treinadas e sapientes, que acariciam e amordaçam as dúvidas, que não precisas de ter. Mantem-no solto. Não tens de ser sempre forte.

(Café Contexto 23/52)