domingo, 25 de outubro de 2015

Linhas

A minha mulher tem o corpo traçado por linhas. Desenhos que a atravessam e cruzam. Afluem numa parte do corpo e desaguam noutra. Parece o mapa, atravessada por cursos de água.
De norte a sul, percorrem-na de Este para Oeste. Transitam por vales e montes. Limites bem definidos de território tão próximo. Vão parando em cruzamentos, encruzilhadas de pele, não tão bem cicatrizadas. Desenhos dinâmicos correntes, desaguam e esmorecem nas pontas.
Às vezes fico a vê-la despir-se devagarinho. Do Minho, ao Guadiana, aqueles subafluentes com origens bem profundas. A beleza que a atravessa, as marcas de que é feita. Todas marcam conquistas. Vitórias, ganhas em solo tão valioso.
Amanhã lá vai ela outra vez. Um novo corte. Ansiedades e promessas de melhoras, e um novo rio a nascer.

(Café Contexto 43/52)

domingo, 11 de outubro de 2015

Árvore

Ser mais árvore. Ramos em vez de braços, raízes em vez de pés. Entrançados de galhos. Cabelos por folhas. Passarinhos.
Subsistir com o básico. Água, comida, suporte forte, onde agarrar. Tronco direito e erguido, à superfície da terra. Pensamentos tranquilos, ideias iluminadas. Corola frondosa. Cada vez mais céu, cada vez mais luz.
Gritar aos céus, em silêncio. Não reagir. Apenas ser. Estar. Permanecer.
Árvore muda, imóvel, imortal. Que não quebra, que não dobra, que não verga. Que resiste às intempéries. Resiliências e serenidades, ao enterrar sub-repticiamente bem, as raízes nas profundezas do próprio ser. Observando o tempo a passar.

(Café Contexto 41/52)