domingo, 10 de maio de 2015

Aquela casa

Aquela casa. Sempre aquela casa vermelha. Sonhei com ela durante anos. Luas seguidas. Noite após noite.
Era uma casa bonita. Lembro-me de ma mostrarem como o maior dos tesouros. Outros tesouros, outros tempos.
Acho que só lá fui uma vez. Duas no máximo. Era miúda. Nem sequer tinha idade para me lembrar de coisa nenhuma. Mas lembrava.
Havia uma casa. E uma mais pequena ainda. Um campo interminável. Currais; um espigueiro. E um forno de pão, bem antigo.
Havia árvores de fruta boa com pêras e maças variadas. Uma outra, metade laranjas, metade tangerinas, invenção de mãos meias trabalhadeiras, meias artistas. Um enorme castanheiro e uma, ou outra figueira. Ameixas e marmelos. Uvas e morangos selvagens. Meios doces, meios amargos. Menta. Sempre houve menta. Aquele cheiro forte e pungente. Fresco, particular.
Lembro-me de correr por entre a erva enorme, há muito tempo.
Fui lá, no outro dia, à casa do sonho. Abandonada, roubada e vandalizada. Já quase nada resta.
As árvores permaneceram. Fantasmas, ainda a darem fruta. Meias caídas, gritam resistência.
Terra demasiado fértil, enriquecida de fruta amadurecida no chão, anos a fio. Fetos e jarros abundantes. Por todo o lado, botões diversos, linhas e agulhas. Há um pássaro caído na cozinha demasiado cansado de tentar descobrir uma saída.
Algo de mim pertencera aquele sítio. Algo ainda pertence.
 
(Café Contexto 19/52)

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